Reformas no Brasil, Arminio Fraga comenta eleicoes
'Espero
que voto de Huck migre para Alckmin'
Por Claudia Safatle | De Brasília/
Valor Econômico, 19 Fevereiro 2018
Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, defendeu, em entrevista ao Valor, uma ampla reforma tributária com a criação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) e mudanças no Imposto de Renda (IR) para tributar mais a renda dos serviços que, com a "pejotização", é muito pouco taxada.
Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, defendeu, em entrevista ao Valor, uma ampla reforma tributária com a criação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) e mudanças no Imposto de Renda (IR) para tributar mais a renda dos serviços que, com a "pejotização", é muito pouco taxada.
Mesmo que a
proposta de emenda constitucional da Previdência ainda seja aprovada por este
governo, ele acredita que será preciso uma nova rodada de reformas nessa área e
sugere que os economistas do atual governo, que mergulharam no assunto, deixem
um amplo projeto pronto para a próxima gestão. O financiamento da seguridade
social não deve ser feito primordialmente pela tributação da folha de
salários. "Acho que se deveria descarregar a necessidade de arrecadação em
outros impostos, sobre um IVA bem feito e também no Imposto de Renda, onde
há espaço, dado que rico, no Brasil, não paga imposto", disse.
Segundo Arminio,
há vários grupos de economistas discutindo o Brasil. O resultado desses debates
deverá ser prático, com propostas concretas e as respectivas medidas legais
colocadas no papel. Se tiver que ser projeto de lei ou medida provisória, eles
já estarão prontos. Ele próprio está se dedicando à elaboração de propostas
para uma ampla e profunda reforma do Estado, junto com a economista Ana Carla
Abrão.
Reformas do
Estado, tributária e da Previdência são algumas das medidas que poderão servir
a um eventual governo reformista. Elas compreendem outras iniciativas
importantes, como a desvinculação geral do Orçamento, mecanismos de avaliação
dos programas, fim da estabilidade do funcionalismo. Esses grupos não estão
necessariamente ligados a um candidato à Presidência da República. Com a
desistência de Luciano Huck, Armínio espera que Geraldo Alckmin (PSDB),
governador de São Paulo, seja o herdeiro desses votos.
A seguir os
principais trechos da entrevista:
Valor: O
presidente Michel Temer disse que vão sobrar poucas reformas para
serem feitas pelo próximo governo. Na sua avaliação, sobram poucas ou muitas?
Arminio Fraga:
Falta muita coisa. Sem nenhum demérito da reforma trabalhista, do que foi feito
no setor de petróleo, no setor elétrico, nas estatais, no BNDES, isso é um
início. O teto que foi aprovado não funciona sozinho, tem que ter uma boa
reforma da Previdência - ou duas, talvez - e muito mais. Tem o lado tributário,
que é um prato cheio para reformas, tanto o lado indireto quanto do Imposto de
Renda. Temos o país da 'pejotização', do fundo fechado, tudo o mais, que
precisa ser repensado.
Valor: Teria que
rever as deduções do IR também?
Arminio: Também.
Toda a discussão sobre terceirização, que foi boa, deixou de lado o fato de que
muito do que se vê tem motivação tributária, o que está errado. No lado fiscal,
da gestão pública, há também um enorme caminho pela frente. Para isso é preciso
uma reforma muito completa e profunda do Estado. E não é só uma questão fiscal
- embora o 'só' seja entre aspas porque é uma questão enorme. É muito mais. É
criar condições para se ter um Estado mais eficaz. Essa é uma agenda
importantíssima. Com certeza, na infraestrutura tem muito a se fazer. Acho que
a agenda [do governo] é boa, não estou reclamando, mas está longe de estar
concluída. Muito longe.
Valor: Quando o
senhor fala da reforma do Estado, está falando de um Estado menos empresário,
mais voltado para as questões sociais?
Arminio: Com foco
na segurança, saúde, educação e Previdência até um nível básico. Um Estado que
consiga entregar nessas áreas. Nos últimos anos houve algum progresso, mas
estamos muito longe de ter um sistema público de educação e de saúde como o que
gostaríamos. As crianças estão na escola, mas as avaliações qualitativas são
muito ruins. Temos saúde universal com um desenho bom, mas também cheio de
problemas. E segurança nem se fala, é um assunto emergencial.
Valor: A intervenção
federal no Rio, recém anunciada, é parte de uma ação emergencial?
Arminio: Sim, pois
de fato é uma emergência. Mas depois será necessário algo permanente.
Valor: Voltando à
questão fiscal, onde além do teto houve medidas importantes, como a devolução do
'funding' do BNDES. Mas isso não resolve o cumprimento do teto para o gasto
público...
Arminio: Não, não
resolve.
Valor: A reforma
da Previdência, se ainda for aprovada, vai ser modesta, o que leva a crer que o
próximo governo terá que continuar nesse tema, não?
Arminio: Tenho
certeza. Os especialistas dizem que a primeira reforma resolvia 70% - um número
aproximado - da questão; a que está aí hoje resolve metade. Então, tem que ter
outra.
Valor: Dado o
engessamento do Orçamento, não seria preciso fazer algo mais drástico como um
orçamento base-zero?
Arminio: Tem que
fazer orçamento base-zero, repensar a estabilidade, desvincular o Orçamento
todo.
Valor: Para fazer
essa revolução não teria que haver um governo...
Arminio: O governo
tem que querer. E aí, se descobrir que falta ferramenta, tem que propor. Eu
estou até envolvido em umas discussões para preparar projetos e propostas nessa
área com um teor mais prático.
Valor: Como é
isso?
Arminio: Há vários
grupos discutindo o Brasil, sem necessariamente ter ligações diretas com
eventuais candidaturas. Acho necessário ir além de preparar textos sobre duas
dezenas de assuntos e avançar em alguns dos temas, principalmente sobre os que
exijam mudanças em lei, e que se pense na execução das medidas. Se precisar de
um projeto de lei, que tenha ele preparado.
Valor: Quais as
medidas que esses grupos devem propor?
Arminio: As mais
óbvias são a reforma tributária - a consolidação dos vários tributos indiretos
e a criação de um IVA moderno. Há muita gente pensando nisso. Precisa ter um
grupo de pessoas para deixar isso pronto. Outro tema é o da Previdência. Nesse,
o próprio governo poderia preparar um projeto, nem que seja para ficar na
prateleira, incluindo tudo. A proposta que está aí merece ser aprovada, é necessária.
Mas é preciso ir além e fazer "a" reforma que traz pendurados outros
assuntos, como a tributação da folha. Será que é necessário financiar a
transição para um sistema mais atuarialmente equilibrado cobrando da folha [de
salário das empresas]?
Valor: Qual a
resposta?
Arminio: Acho que
não. Pode ter alguma, mas deveria descarregar a necessidade de arrecadação em
outros impostos, sobre um IVA bem feito e, também, no Imposto de Renda,
onde há espaço dado que rico, no Brasil, não paga imposto. Aliás, é estranho
que depois de tantos anos de governo do PT não se tenha avançado nesse tema
[taxar os ricos]. Esse é um assunto adormecido.
Valor: Imposto
sobre herança? Patrimônio?
Arminio: Sobre
herança, pode ter também. Mas acho que o imposto sobre patrimônio não funciona.
O único patrimônio onde se cobra imposto no mundo inteiro é o imobiliário.
Sobre herança é razoável, as alíquotas no país vêm subindo. Pode-se tributar
mais a renda sobre setor de serviços, que com a 'pejotização' é pouquíssimo
tributada. Então, trata-se de deixar como projeto um grande redesenho da área
previdenciária, mercado de trabalho e da tributária.
Valor: Qual a
proposta para a reforma do Estado?
Arminio: É dar uma
geral no Estado para que seja mais eficaz. Na área de recursos humanos, ter uma
avaliação das pessoas, repensar o tema maior da estabilidade e, por outros
ângulos, avaliar programas de governo, que é crucial para que se saiba o que
está dando certo e o que não está dando certo. É preciso um processo de
avaliação permanente. A Ana Carla Abraão [economista] está trabalhando nisso e
vamos incluir outras pessoas, como advogados que entendam do tema. Desse eu
estou mais próximo. Sem tudo isso e, particularmente, a parte do Estado, acho
difícil o país chegar aonde pode chegar.
Valor: Quais os
programas mal avaliados?
Arminio: O que
existe hoje no mundo da educação, da saúde e da segurança não dá para dizer que
está dando certo. Progressos ocorreram, o SUS é bem avaliado, mas precisa de
ser aperfeiçoado e tem problemas enormes de gestão. Idem para educação; e
segurança nem se fala. É coisa grande, estamos falando das coisas de maior peso
na vida de uma nação. Em função disso, é preciso pensar na desvinculação do
Orçamento, que é totalmente amarrado. As prioridades mudam com o tempo. É
irônico que o que o [José] Serra [exministro da Saúde] - encarava, lá atrás,
como piso no orçamento da Saúde hoje virou teto.
Valor: Num país
que envelhece esse é um gasto que deveria aumentar, não?
Arminio: Exato.
Essa é uma área onde, por razões demográficas e tecnológicas, se espera mais
gastos com o tempo.
Valor: Na educação
é o contrário?
Arminio: É o
contrário, apesar de o Plano Nacional de Educação demandar mais cinco pontos
percentuais do PIB que eu não sei de onde sairia a essa altura, com o
país quebrado. O Orçamento não deveria ser um negócio engessado. Tinha que ser
uma coisa viva. É uma ferramenta que vai se avaliando: está dando certo, vai em
frente, faz mais; está dando errado, corrige.
Valor: Os bancos
públicos estão em processo de reversão do agigantamento que tiveram na gestão
do PT. O BNDES volta a ser um banco de R$ 90 bilhões em desembolsos; a Caixa
está sob restrições. O sr. acha que eles deveriam voltar ao tamanho que tinham
antes de 2008/2009?
Arminio: Não tem
por que, na minha opinião, ter um setor financeiro público agigantado. Não tem
razão. Muita gente que discorda e diz que 'os bancos públicos deveriam prestar
um papel anticíclico'. Eu tenho muita dificuldade em ver isso.
Valor: Por quê?
Arminio: Aqui
sempre tem política anticíclica quando as coisas vão mal, e quando vão bem ela
é pró-cíclica. Ou seja, é pé na tábua sempre. Aí não é saudável. Além do mais o
Banco Central tem muito espaço para fazer política anticíclica. Na hora da
recessão os bancos ficam conservadores demais. Será que o Banco Central não
poderia compensar isso reduzindo mais agressivamente os juros?
Valor: O custo do
capital é alto no Brasil. Com a taxa de juros em um patamar mais normal, isso
se resolve pelo mercado? Como fica?
Arminio: Do lado
do juro básico, o Brasil viu, nas últimas décadas, uma boa queda. Mas os juros
aqui seguem altos, 5% reais na ponta longa. No Chile, hoje, deve ser 1% real
para 25 anos. No México é um pouco mais. Acho que a nossa situação ainda é um
tanto precária, porque temos um ajuste fiscal relevante a fazer sob pena disso
não durar. No momento, [os juros], tem mais a ver com a recessão e com a
sensação de que a gestão temerária que nós tivemos não está mais presente.
Valor: Mas os
juros para o tomador final continuam elevados.
Arminio: Aí resta
a questão do prêmio de risco de crédito. Esse é um desafio antigo, o Banco
Central tem se dedicado bastante a isso ao longo dos anos. Eu acho que esse
projeto tem princípio, meio e fim. Tem a ver com insegurança jurídica, com
tributação... Tem todo um diagnóstico que fizemos lá atrás. O Banco Central de
vez em quando refaz, isso também não é uma coisa gravada em pedra.
Valor: Falta
concorrência? Há quatro ou cinco grandes bancos.
Arminio: Em
algumas áreas isso parece mais claro do que em outras... que estão merecendo a
atenção das autoridades, cartão de crédito, cheque especial. A qualidade das
garantias - que parecia uma grande promessa, hoje está sendo questionada. A
própria alienação fiduciária para financiamento de automóvel e de imóveis
parecia funcionar melhor do que anda funcionando hoje.
Valor: O sr.
escreveu artigo em defesa da privatização do Banco do Brasil e da Petrobras...
Arminio: É o que
eu acho. Acho que o Estado não devia ter empresa, assim, como primeira
aproximação. Isso não quer dizer que não se possa transformar algumas empresas
em corporações com boa governança. Mas ter empresa na mão do Estado, com
objetivos políticos, não transparentes, que não transitam pelo Orçamento, é um
prato cheio para problemas.
Valor: Um convite
à corrupção?
Arminio: Não só à
corrupção como ao desperdício. Acho que a gente devia cair na real e desistir.
Não funciona, esquece. Se o governo quiser subsidiar a pesquisa básica, que o
faça; se quiser ter programas para os mais pobres, com certeza deve fazer. Mas
põe no Orçamento e cobra a execução. A execução tem que ser profissional,
transparente, bem incentivada, com concorrência. Desses todos, têm os que estão
avançando. O BB vem avançando há anos; a Petrobras avançou muito nesse período
recente; a Eletrobras . Mas tem uns casos incríveis, que já existem há muito
tempo, que têm avançado pouco. O exemplo que me vem à cabeça é a Caixa e, no
Rio, a Cedae.
Valor: Se falta
equilíbrio fiscal, falta sustentação para a política monetária. Há o risco de
aumento dos juros no horizonte?
Arminio: Não, no
momento isso não está no horizonte. Mas não há política monetária de excelência
sem uma política fiscal robusta.
Valor: Algum
candidato sairá das eleições com legitimidade para fazer um ajuste dessa
dimensão?
Arminio: Acho
difícil. O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) deu uma entrevista excepcional
tocando nesse assunto. Tocou em todos os pontos, e isso inaugura um debate
eleitoral com o pé direito. Eu espero que as pessoas não sejam bobas de achar
que ele está pedindo um sacrifício desnecessário. No governo passado houve uma
deterioração fiscal de cerca de seis pontos percentuais do PIB. Um quarto
por perda de receita na recessão, o resto por aumento de gastos e desonerações.
Essa correção de rumo é necessária para estancar o crescimento exponencial da
dívida pública e para consolidar um patamar de taxa de juros bem mais baixo do
que aquele que temos tido há décadas.
Valor: Isso seria
ser feito em um ano?
Arminio: Se o
governo tiver uma agenda bem estruturada e crível, e as ferramentas forem sendo
desenvolvidas com as reformas do Estado, da Previdência - não seria necessário
nem recomendável fazer o ajuste todo em um só ano. Poderia ser ao longo de três
anos. Tem muita área onde dá pra mexer. O relatório recente do Banco Mundial
tem uma lista bem-feita.
Valor: Fala-se
muito que o Brasil se desindustrializou. É o caso de se reindustrializar?
Arminio: O mundo
inteiro se desindustrializou. A China, que é o polo industrial do planeta,
também está vivendo um movimento onde o setor de serviços já é maior do que a
indústria. O que temos de negativo em relação à indústria no Brasil é que ela
foi desenvolvida debaixo de um regime de proteção bastante radical, que no
início era tido como sendo proteção à indústria nascente, que já dura décadas.
Valor: Tornou-se
uma proteção danosa?
Arminio: E isso
não ajudou, porque hoje as coisas estão muito integradas e as necessidades
tecnológicas são crescentes. Se você não está integrado fica mais difícil. E
mais: o Brasil vive essa situação esdrúxula onde a indústria é muito mais
tributada do que o setor de serviços e a agricultura. Não há por que ser assim.
Isso está errado. Para compensar o fato de se ter regras trabalhistas
complicadas, uma tributação complicada e cheia de distorções, uma
infraestrutura ruim, o custo do capital alto etc... o governo, na outra ponta,
começou a dar muito subsídio. Aí fica uma economia toda engatilhada, exposta a
grupos de interesse e acaba como um monstrengo que não é produtivo.
Valor: O sr.
estava trabalhando na candidatura do Luciano Huck à Presidência. Com a
desistência dele quem pode herdar seus eventuais eleitores?
Arminio: Olha, eu
não estava trabalhando na candidatura, mas eu tive a oportunidade de conversar
com ele muitas vezes no último ano. Nós moramos no Rio, acho que descobrimos
interesses comuns, de tentar melhorar as coisas.
Valor: Ele
desistiu ou adiou por quatro anos?
Arminio: Eu não
tenho dúvida de que ele vai para vida pública em algum momento. Poderia ter ido
agora, o que seria um movimento muito ousado; e poderia deixar para se preparar
um pouco mais e ir mais adiante. Para uma pessoa com os talentos que ele tem, é
uma ideia bastante boa também.
Valor: O sr. já
sabia da decisão dele?
Arminio:Acho que
nem ele sabia! Deve ter sido uma decisão impossível.
Valor: Quem o sr.
acha que herda os votos que ele teria?
Arminio: Espero
que o Geraldo Alckmin.
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