Carta que o candidato do PT deveria escrever ao povo brasileiro - Demetrio Magnoli

Hoje na Folha, o Demetrio Magnoli sugere algumas linhas para a carta que o Haddad deveria escrever ao povo brasileiro antes de pedir uma frente ampla para derrotar o outro candidato:

 "Verde-amarelo no lugar do vermelho?
O marketing não substitui a política. Hora de assumir erros históricos, falar a verdade. O PT dividiu o país em “nós” e “eles”. Isso acaba aqui. Não qualificarei como “golpistas” os que defenderam o impeachment, a quem também peço o voto. Nunca mais usaremos o rótulo “fascistas” para marcar os que divergem de nós. Não mais usaremos o rótulo “racistas” para marcar os que discordam de políticas de cotas raciais. Adotaremos, perante a sociedade, o “protocolo ético” que meu adversário rejeitou. A pluralidade de opiniões é a substância da democracia. De agora em diante, nós a respeitaremos.

Democracia exige coerência. Lula respeitou a regra do jogo democrático ao não buscar um terceiro mandato sucessivo. Mas, reiteradamente, o PT ofereceu apoio ao regime ditatorial em Cuba, à ditadura instalada por Maduro na Venezuela, à escalada repressiva de Ortega na Nicarágua. Jamais concordei com isso, que acaba agora. Não cultivaremos ditadores de estimação. O Brasil defende a democracia aqui e lá fora. Na China e na Arábia Saudita, na Rússia e na Turquia, em Cuba e na Venezuela.

Nas democracias, uma fronteira separa as esferas da política e da Justiça. Todos, inclusive eu, têm o direito de concordar ou não com decisões judiciais —mas os partidos e, sobretudo, o governo, não têm o direito de misturar as duas esferas. Lula está recorrendo aos tribunais superiores contra sua condenação. Meu governo não se envolverá nesse assunto e não o politizará. Sem independência do Judiciário, não existe democracia.

A imprensa livre é um pilar imprescindível da democracia. Trump, lá, e meu adversário, aqui, clamam contra o jornalismo profissional, enquanto seus seguidores difundem falsificações por meio de empresas oligopolistas da internet. Mas é preciso olhar nossa imagem no espelho. Durante anos, o PT pregou o “controle social da mídia”, como se a crítica, justa ou injusta, precisasse ser restringida. Chega dessa ladainha rancorosa. Difamação, injúria, calúnia são assunto para os tribunais. Fora disso, o “controle da mídia” deve ser exercido exclusivamente pelos leitores, espectadores e ouvintes, ao selecionarem os veículos de sua preferência.

Todos têm direito à ampla defesa. A caça às bruxas sempre foi ferramenta de tiranos ou pretendentes a tiranos. Mas não existe uma “corrupção do bem”. A “nossa” corrupção é intolerável, tanto quanto a dos outros. Os governos do PT têm pesada parcela de responsabilidade política pelos escândalos do mensalão e do petrolão. No meu governo, protegeremos os recursos públicos da sanha de corruptos de qualquer partido, inclusive do meu.

A economia não é um fim em si mesma: serve para as pessoas escaparem ao círculo da pobreza, viverem melhor, realizarem seus sonhos. Mas isso só ocorrerá de forma sustentada se recuperarmos o equilíbrio das contas públicas. A depressão dos últimos anos foi semeada pela irresponsabilidade fiscal do governo Dilma. Aprendemos a dura lição. Não repetiremos o erro desastroso, fonte última da crise que redundou no impeachment”.

Depois que o Haddad assinar esta carta, a gente conversa.

Demetrio Magnoli
Folha de S.Paulo, 14/10/2018

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