Persio Arida: conselheiro economico do candidato Geraldo Alckmin

BNDES deve devolver rapidamente recursos ao Tesouro, diz Arida

Por Sergio Lamucci e César Felício | De São Paulo/ Valor Econômico
clip_image002"Vamos lembrar sempre: existem falhas de mercado, mas também existem as falhas de governo", diz Persio Arida
Coordenador do programa econômico do governador Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência, o economista Persio Arida diz que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve devolver rapidamente todos os recursos que lhe foram emprestados pelo Tesouro. "É mais do que ir devolvendo o excesso de caixa; é necessário vender ativos de crédito ou participações societárias para repagar aceleradamente o Tesouro", afirma Arida, que já comandou o BNDES e também o Banco Central (BC).
"Essa história de o BNDES ficar negociando para devolver ao Tesouro o mínimo possível não faz sentido. O banco é uma subsidiária integral do Tesouro e a sua administração, como qualquer administração, tem que seguir o que for determinado pelo dono", resume ele. Segundo Arida, o Tesouro "turbinou" o BNDES com R$ 500 bilhões de empréstimos subsidiados, mais um dos "desvarios populistas" do governo do PT.
Na entrevista, Arida, ex-sócio do BTG Pactual, criticou a BNDESPar. "Eu não gosto conceitualmente da ideia de o Estado ter participações acionárias", diz, lembrando que defendeu em seu discurso de posse como presidente da instituição "que se privatizasse a BNDESPar ou se vendessem todas as suas participações acionárias". Também não lhe agrada a atuação da BNDESPar como "hospital de empresas", o que, para ele, "impede o livre funcionamento do mercado".
Ao tratar de medidas para impulsionar o crescimento, Arida ressalta a agenda de segurança jurídica, regras estáveis, abertura da economia e desburocratização. Essas medidas podem não ter o apelo que teria "a agenda do governo gastador, mas é a agenda de que o país precisa, e o país vai crescer com ela, com investimento privado, brasileiro e estrangeiro", afirma ele. Para Arida, "o país tem todas as condições de manter de forma sustentável" uma expansão na casa de 3% ao ano "por muito tempo".
Arida destaca ainda a importância de tentar aprovar no começo do governo reformas como a da Previdência e a tributária e de lançar um programa de privatizações. Cortes de gastos também serão prioridade.
Aumentar a carga tributária não está nos planos de Arida, que tampouco vê espaço para reduzi-la, dado o problema fiscal. "Precisamos tornar a carga tributária mais justa socialmente, menos distorciva economicamente e mais simples, para liberar energia da sociedade." Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor:Como o governador Geraldo Alckmin convidou o sr. para ser coordenador da campanha na área econômica?
Persio Arida: Eu conheço Alckmin há muito tempo. Quando eu estava lidando com a privatização do Banespa como presidente do Banco Central, ele, como vice-governador, é quem tocava o Programa Estadual de Desestatização. Uma das minhas prioridades no BC sempre foi a privatização ou o encerramento das atividades dos bancos estaduais, e havia uma contraparte aqui em São Paulo fazendo isso com as estatais não financeiras. A aproximação mais recente foi quando saí do banco. Quando voltei de uma temporada de três meses em Oxford [na Inglaterra], no começo deste ano, resolvemos iniciar o processo. Ele me convidou e eu aceitei coordenar o programa.
Valor:O governo atual fez várias reformas e anunciou privatizações. Um governo Alckmin seria de continuidade do programa atual?
Arida: Este é um governo curto, que se iniciou em meados de 2016. Houve algumas reformas muito boas do ponto de vista microeconômico, como a reforma trabalhista, a TLP [Taxa de Longo Prazo]. Houve uma excelente atuação do BC, tanto é que o próprio governador Alckmin disse que, se eleito, gostaria de manter Ilan [Goldfajn, presidente do BC] e toda a diretoria do BC. Há uma agenda boa de reformas andando. Mas há certas áreas do governo onde nada aconteceu. Privatização é uma delas. Em áreas como portos, toda a logística de transportes, não houve nenhuma modificação substantiva. Das iniciativas em curso, a mais promissora é o acordo do Mercosul com a União Europeia.
Valor:O sr. acredita que esse acordo será realmente fechado?
Arida: Eu não estou acompanhando de perto, mas o governo brasileiro perdeu muito tempo nas negociações bilaterais com uma política terceiro-mundista. É preciso focar no que é critico e o crítico é focar na abertura comercial com os parceiros de relevo, que são União Europeia, EUA e os países da Ásia. Perdemos 15 anos isolados, numa política externa voltada para Cuba, Venezuela e Angola que obviamente não nos levou a lugar nenhum. O Brasil tem que se inserir no mundo da inovação e do comércio de forma decidida. É a abertura que vai dar competitividade à indústria e produtividade à economia como um todo. Temos que respeitar os nossos acordos diplomáticos, é claro, mas há muito a fazer dentro de casa. Nossa estrutura de tarifas tem que ser repensada, é uma colcha de retalhos desconexos. Há casos onde a tarifa para importação de um insumo é maior do que a tarifa para importação do bem onde o insumo é utilizado. E há muita coisa a ser feita do ponto de vista unilateral também. A lei de informática mudou de nome, mas não foi embora. Como modernizar a economia sobretaxando bens de capital e bens de informática? Nossa tarifa de importação para esses bens é maior até do que a dos nossos parceiros do Mercosul.
Valor:Alckmin já disse que quer concentrar em 2019 as agendas de ajuste, como as reformas da Previdência e a tributária, além de privatizações. Do ponto de vista fiscal, elas têm impacto no médio ou longo prazo. E há a compressão forte do teto dos gastos. A ideia é flexibilizar o teto?  Vocês não deverão obviamente usar recursos de privatização para custeio.
Arida:  Primeiro, privatização demora. Leva tempo entre o momento em que se decide privatizar até o momento em que se escolhe com calma qual é o modelo, por exemplo. É preciso vencer resistências corporativas, além de resistências que não são do setor público, como de políticos que têm área de influência na estatal. A modelagem é importante porque não se pode substituir situações de semimonopólio estatal por semimonopólio privado. Tem que assegurar concorrência sempre. Em privatização, não adianta imaginar que se vai vender tudo rapidamente. Eu já toquei processo de privatização, e sei da dificuldade.
Valor:O sr. já disse que não dá para privatizar tudo. Mas tudo pode ser privatizado? A Petrobras pode vir a ser privatizada, por exemplo?
Arida:  Se o programa é privatizar tudo, eu digo o que vai ocorrer. Não se vai privatizar nada. Vai ter a aliança de todos os lobbies centrados em cada estatal contra você. É necessário definir qual é a prioridade do  governo. O país infelizmente perdeu um tempo enorme, o tempo todo do governo do PT, não adiantando esse programa.
Valor:Qual será a prioridade? Há quem fale na área dos bancos públicos. O governo atual anunciou a venda da Eletrobras, mas parece que não vai avançar.
Arida:  Eletrobras tem que avançar. Tem a questão do risco hidrológico, há várias questões que podem ser discutidas nesse contexto. Eu não vou entrar em detalhes, mas tem que avançar. Quanto ao resto, eu não vou falar no momento.
Valor:A carga tributária é elevada, mas a situação fiscal é delicada. A carga tributária pode aumentar?
Arida: Aumentar a carga tributária funciona no curto prazo, mas não no longo prazo. Nossa carga tributária era de 20% do PIB, agora está em 33% do PIB e o déficit público aumentou. Ou seja: aumentar o imposto equilibra temporariamente o déficit, até os políticos aprovarem uma nova rodada de gastos. Precisamos tornar a carga tributária mais justa socialmente, menos distorciva economicamente e mais simples, para liberar energia da sociedade. E não aumentá-la, até porque o Brasil já tem a maior carga tributária de todos os países emergentes. Um grande desafio é como manter a atratividade do Brasil para investidores estrangeiros depois que o presidente Donald Trump reduziu a tributação corporativa e outros países da América Latina pensam em fazer o mesmo, como México e Argentina.
Valor: O Brasil não vai conseguir acompanhar esse movimento?
Arida: Nós temos que ter responsabilidade fiscal. Seria ótimo se houvesse condições de diminuir a carga tributária agora. Mas nós estamos com um enorme déficit. A dívida está numa trajetória preocupante e está em 75% do PIB, o que já suscita preocupação. Já rebalancear a carga tributária, para torná-la menosdistorciva e socialmente mais justa, é prioridade. Há muita coisa a ser feita nessa área.
Valor: O sr. concorda quando Arminio Fraga [ex-presidente do BC] diz que rico não paga imposto no Brasil?
Arida: No essencial, eu diria sim. Há várias isenções que, para as pessoas mais afortunadas, permitem que se pague muito menos impostos. LCI e LCA [Letra de Crédito Imobiliário e Letra de Crédito Agrícola] são o caso mais patente. O trabalhador não tem recursos suficientes para investir numa LCI ou numa LCA. Mas quem tem consegue um ganho extraordinariamente elevado, porque elas têm uma isenção. Não só é socialmente injusto como não se pode nem dizer que tem alguma eficiência alocativa, porque não tem. É pura transferência de renda.
Valor: Tributar lucros e dividendos e criar alíquotas de imposto de renda mais altas para quem ganha mais são ideias cogitadas?
Arida:  A maior parte dos países tributa dividendos. É algo a ser estudado, porque há um elemento de bitributação. Um princípio básico de eficiência alocativa é sempre evitar a bitributação. [Mas] Chama a atenção que a maior parte dos países tem tributação sobre dividendos. Há outros exemplos que precisam ser estudados, como juros sobre capital próprio.
Valor: Voltando à situação fiscal. Num primeiro momento, a política tributária deverá ser relativamente neutra em termos de carga. A privatização é um processo que não é de curto prazo. A reforma da Previdência também não é de curto prazo. Para efeito de ajuste, de 2019, o que é que pode ser feito?
Arida:  Qualquer pessoa que tenha trabalhado no setor público e tenha alguma experiência de setor privado vai dizer que existe uma enorme ineficiência no setor público. Tem espaço para maximização, para fazer mais com os mesmos recursos ou a mesma coisa com menos recursos. Se você não quiser mudar a forma de gestão do setor público e quiser respeitar todas as restrições existentes, realmente não tem onde cortar. Mas é evidente que um programa de corte de gastos visando obter resultados melhores com menos recursos é prioridade. Não vou entrar em detalhes, mas há muito a ser feito nessa área.
Valor: Isso significa combater a rigidez orçamentária ou o desperdício?
Arida: Rigidez é parte da questão. Há a rigidez e tem o desperdício mesmo. Outro ponto é que o Brasil não tem a cultura da mensuração e da análise independente. Há um estudo do TCU que mostra que, de oito entre dez programas governamentais de apoio, não tem data de término definida. Avaliação independente é chave. É o que possibilita mudar o curso do programa, dizer se precisa ser continuado ou se precisa terminar.
Valor: A possibilidade de que o teto de gastos seja rompido em 2019 é grande. O que o sr. acha do mecanismo? Ele vai ter que revogado ou alterado no ano que vem?
Arida:  Alckmin criticou o teto de gastos dizendo que o governo Temer deveria ter usado o capital político inicial para aprovar a reforma da Previdência. Ele tinha razão, porque sempre é possível controlar gastos quando há determinação suficiente para fazê-lo. Mas já foi. Temos que enfrentar o problema e cortar gastos. O problema do teto é o problema geral de várias das nossas leis.
Valor: Qual é o problema?
Arida: Temos muitas dessas regras como a Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF], a regra de ouro ou o teto de gastos. A experiência mostra que elas funcionam por um tempo, o que é ótimo, mas a partir de determinado momento entra em ação o jeitinho brasileiro para dar um drible nas restrições. A LRF fixou um teto para os salários. O jeitinho foi chamar parte do rendimento mensal e recorrente de outra coisa -- abono, bonificação, auxílio -- e fazer de conta que esses rendimentos não contavam como salário. Outro exemplo é a regra de ouro. A regra é de bom senso: não permite que se endivide para financiar gastos correntes. O jeitinho foi contar a devolução dos recursos emprestados pelo Tesouro ao BNDES para abater o total de gastos. Ter regras é importante. O descalabro fiscal teria sido pior ainda se não tivéssemos as regras. Mas precisamos enfrentar os problemas, em vez de escamoteá-los. Acho que vale a pena revisitar a LRF para impedir as interpretações que visam apenas driblá-la. Quanto à regra de ouro, não é à toa que a maioria de países não tem regra desse tipo na Constituição. A razão é que há circunstâncias em que é necessário emprestar para financiar gastos, como em calamidades públicas ou conflitos militares. É mais um dos casos em que há um excesso de dispositivos constitucionais criando discussões jurídicas e políticas desnecessárias.
Valor: A reforma da Previdência a ser apresentada será na linha da primeira versão que o governo atual apresentou, que era bastante ambiciosa?
Arida:  Tem que ser numa linha muito ambiciosa, porque o nosso problema é muito sério, e não e só na União, mas também em Estados e municípios. O grande problema que nós temos hoje, o problema de fundo, vamos lembrar sempre, é a Previdência.
Valor: Como vencer as resistências à reforma da Previdência?
Arida: Qualquer pessoa que tenha se debruçado sobre os números e não esteja nem com interesses corporativos nem cega por ideologias vai chegar à conclusão de que está claramente fora do prumo. Isso torna a governabilidade das finanças públicas impossível. É uma questão de persuasão. Já houve momento em que a reforma da Previdência estava perto de passar. Depois, por razões políticas, acabou não passando. Acho perfeitamente viável que, sendo prioridade, com capital político do presidente eleito, ela seja feita. O Brasil gasta o mesmo percentual [do PIB] com Previdência que países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], mas eles têm o dobro de aposentados como proporção da população do que nós temos. E o crescimento [dos gastos] da Previdência, é maior do que o de qualquer outro tipo de gasto.
Valor: E o que haveria nesse programa para fazer Alckmin ser eleito? Essas não são medidas populares.
Arida: Primeiro, política não é a minha especialidade. Eu nunca quis me candidatar, e nunca escrevi uma linha fazendo análise política de nada na vida. Por outro lado, embora parte da população queira um messias, alguém que faça o marco zero, que ressignifique o país, que acabe com tudo isso que está aí e prometa mundos e fundos, há um eleitorado mais maduro, que sabe das dificuldades do país, que não cai em retórica populista. O populismo sempre tem apelo, e não é só no Brasil, é no mundo todo. A própria América Latina tem ciclos de governos populistas e de governos não populistas. Essas coisas se alternam. A Argentina saiu de um ciclo populista quando ninguém achava que ia sair. Acho que o Brasil teve essa transição de um regime populista para um regime responsável, que foi o governo Temer, e terá um regime responsável à frente, e não uma recaída no populismo.
"Do jeito que está, o funcionamento do FGTS é mais um exemplo do Robin Hood às avessas"
Valor: O que esse eleitor vai se perguntar é qual a proposta para fazer o país crescer. Ele quer o emprego de volta, ele quer escola para o filho...
Arida: Essa pergunta é muito oportuna, porque sem crescimento não tem solução. O país vai crescer 3% neste ano, nós temos um mundo externo muito favorável, o que certamente ajuda. O país tem todas as condições de manter de forma sustentável esse patamar de 3% por muito tempo. O que precisa, na verdade, é pensar o crescimento de outra forma. Não é o crescimento que vem por meio do governo gastando dinheiro, para incentivar obras, para financiar projetos. Esse crescimento não tem espaço. Primeiro, porque o governo não tem os recursos. Segundo, porque vamos lembrar sempre: existem falhas de mercado, mas também existem as falhas de governo, sobre as quais não é preciso nem comentar, dado tudo o que nós vimos nesses anos todos. O governo tem que, primeiro, aumentar a segurança jurídica. Segundo, criar um marco regulatório para todas as áreas de infraestrutura. Terceiro, abrir a economia. Quarto, tornar mais simples todos os procedimentos tributários e administrativos. A questão da desburocratização e da simplificação, para liberar energia da sociedade, tem um enorme peso. E essa agenda da segurança jurídica, das regras estáveis, pode não ter o apelo que teria a agenda do governo gastador, mas é a agenda de que o país precisa, e o país vai crescer com essa agenda. Vai crescer com investimento privado, brasileiro e estrangeiro, vai crescer com o empreendedorismo privado. Não quer dizer que o Estado não tenha papel. Essa ideia de que o Estado não tem papel, essa ideia libertária, é tola.
Valor: Qual deve ser o papel?
Arida:  O Estado tem um papel, mas não o de ser um Estado empresário. É assegurar que as regras permitam a livre competição, através de um bom marco regulatório das agências de controle, como o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Assegurar que todas as áreas de infraestrutura sejam pensadas e feitas com regras que deem confiabilidade ao investimento privado. Esse papel do Estado como regulador, garantindo a segurança jurídica, é fundamental. Sem isso, não se consegue ter o aumento de investimentos de que o Brasil precisa.
Valor: Se o Brasil destravar a economia é possível crescer 3% ao ano, mesmo com os problemas de produtividade e demografia?
Arida:  É perfeitamente factível. O alvo é ter um crescimento razoavelmente alto e sustentável. O melhor crescimento que tem é o crescimento sem graça. É o crescimento sustentado, mais ou menos igual, por muito tempo. É o "boringgrowth", um crescimento com pouca volatilidade, se possível.
Valor: Em relação à educação, há quem diga que não se trata de um problema de recursos. Mas o salário dos professores é baixo. Como alguém bem formado em matemática, por exemplo, vai se tornar professor de ensino médio com esses salários?
Arida:  O Brasil gasta com educação um percentual do PIB similar ao da OCDE. Mas o nosso desempenho comparativo, como mostram os exames do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês], é muito ruim. Há um problema nessa gestão. Se a questão é onde vai o dinheiro, qual é a prioridade, se está gastando ou devia gastar ou não, é uma questão que tem que ser colocada. Eu não estou dizendo que eu tenha a resposta neste momento, mas gastar mais, a meu ver, com educação, a esta altura, não é necessário, por padrões internacionais de gastos. Gastar de uma forma mais eficiente é absolutamente necessário, porque a nossa performance é ruim. E não adianta tentar corrigir na universidade as deficiências da educação básica. Boa parte das pessoas nem chega lá. Tem que trabalhar a educação básica. Se você pensar como faz para ter ganhos de produtividade no Brasil, que é a mola do crescimento, inevitavelmente você sempre vem com as mesmas respostas. Estimular investimentos em infraestrutura, da forma como eu falei, abrir a economia, melhorar a educação e ter instituições estáveis. Educação é crítico nessa matéria.
Valor: A desigualdade de renda ainda é muito alta. Reduzir desigualdade deve ser uma prioridade ou redução de pobreza é mais importante?
Arida:  Ambas são importantes. A questão da pobreza e da extrema-pobreza, são dois níveis diferentes, acho que claramente é responsabilidade do Estado, sim. E eu estou aqui simplesmente retomando a tradição liberal. A grande defesa da renda mínima universal foi feita por John Stuart Mill. Da mesma forma que foi o liberalismo, que foi John Stuart Mill, que defendeu o direito de voto para as mulheres. Dentro do mesmo princípio, de que para construir uma sociedade democrática é necessário ter igualdade de oportunidades. Eu estou aqui apenas retomando uma ideia do liberalismo clássico. Cuidar dos muito pobres e dos excluídos é responsabilidade do Estado, sim.
Valor: Qual será o papel do BNDES?
Arida: O BNDES está buscando uma nova identidade. O papel do BNDES concedendo subsídios acabou com a TLP. A TLP foi um enorme avanço. Não li ainda o Plano Estratégico do banco. A instituição, agora que não conta mais com subsídio, está tratando de se reinventar. De toda forma, o BNDES deve devolver rapidamente todos os recursos que lhe foram emprestados pelo Tesouro. É mais do que ir devolvendo o excesso de caixa; é necessário vender ativos de crédito ou participações societárias para repagar aceleradamente o Tesouro. O Tesouro turbinou o BNDES com R$ 500 bilhões de empréstimos subsidiados. Foi mais um dos desvarios populistas do governo do PT. Não tem nenhum paralelo na história do banco. Isso precisa ser revertido, porque esses recursos fazem falta. Essa história do BNDES ficar negociando para devolver ao Tesouro o mínimo possível não faz sentido. O banco é uma subsidiária integral do Tesouro e a sua administração, como qualquer administração, tem que o seguir o que for determinado pelo dono da instituição.
Valor: Reduzir gradualmente a carteira da BNDESPar até ela ser extinta é uma ideia possível?
Arida:  Eu não gosto conceitualmente da ideia de o Estado ter participações acionárias. Defendi logo no meu discurso de posse como presidente do BNDES que se privatizasse a BNDESPar ou se vendessem todas as suas participações acionárias. É claro que há situações extremas, de pânico no mercado, em que pode fazer sentido praticar políticas pouco usuais, como foi o caso do Fed e do Tesouro americano na crise de 2008. O Tesouro chegou a ter mais de 30% do capital do Citibank, mas vendeu essa participação logo que a situação se normalizou. O errado é ficar com participações por períodos longos de tempo. Veja o caso da Vale: a BNDESPar continua sócia da Vale mais de 20 anos depois da venda do controle da empresa!
Valor: Muitas das participações acabaram no BNDES pelo fato de banco participar de reestruturações de setores da economia.
Arida:  Também não gosto da atuação da BNDESPar como hospital de empresas. Isso impede o livre funcionamento do mercado. Se a empresa está em dificuldades, mas tem bons fundamentos, mais cedo ou mais tarde surge o comprador. O problema é que a solução de mercado frequentemente não agrada o controlador, que prefere ter um sócio governamental que pague um preço mais alto do que o mercado pagaria. É assim que as empresas ineficientes se perpetuam e a economia perde produtividade. E esse argumento de que a participação acionária nessa ou naquela empresa deu lucro não me convence. O Estado não deve fazer políticas visando lucro; deve fazer políticas visando o interesse público. Vou dar um exemplo com o Banco Central. Volta e meia o BC faz operações de swap cambial. Algumas vezes dão lucro, outras vezes dão prejuízo. Mas o BC não faz operação de swap para ter lucro, e sim para normalizar o funcionamento do mercado de câmbio.
Valor: Quais as ideias para expandir o mercado de crédito?
Arida:  Com a expansão de crédito hoje no Brasil, há alguns aspectos fundamentais. Primeiro, uma lei geral de garantias, que nós estamos estudando. A experiência mostra que quando você consegue executar as garantias, aumenta o volume de crédito e diminui o spread bancário, como bem demonstrado com a experiência com a alienação fiduciária. Ter uma lei única geral de garantias, que envolva evidentemente uma lei de falências, permitindo a execução mais rápida de créditos, é um elemento fundamental do desenvolvimento econômico. O Brasil foi do volume de crédito de 15% do PIB até 50% do PIB, mas o Chile tem mais de 80% do PIB. Esse salto do crédito em relação do PIB tem que ocorrer e ter uma lei de geral de garantia é fundamental. O segundo aspecto na expansão de crédito que é muito importante é dar pleno vigor às inovações tecnológicas. Não cercear as inovações tecnológicas.
Valor: O sr. se refere às fintechs? 
Arida:  Fintechs e fundos de crédito. No fundo, são maneiras de desintermediar, digamos assim, a oferta de crédito. Um terceiro aspecto que é muito importante para mercado de capitais que é algo tecnicamente mais intricado é Basileia. Você tem que diminuir os requisitos de Basileia [regras de exigência de capital] que pesam sobre os "marketmakers" [formadores de mercado]. O "marketmaker" é crítico para tornar o título de longo prazo viável para quem pensa no curto prazo. Se você não tiver "marketmaker", é preciso pagar um prêmio muito grande de liquidez para conseguir colocar um papel de longo prazo. É uma questão regulatória que pode ser melhorada.
Valor: O governo Alckmin defendeu a proposta de remunerar o FGTS pela TLP. Por que a mudança?
Arida:  O FGTS é um fundo dos trabalhadores e não faz sentido penalizar os trabalhadores beneficiando via empréstimos aos empresários. Do jeito que está, o funcionamento do FGTS é mais um exemplo do Robin Wood às avessas. A poupança compulsória dos trabalhadores é remunerada pela pior taxa do mercado financeiro, menor muitas vezes do que a inflação e a poupança. Talvez se possa pensar no FGTS como o embrião de um fundo previdenciário de capitalização, mas de toda forma temos que acabar com essa injustiça social histórica. E em nada impede o governo de subsidiar esse ou aquele projeto através de equalização dos juros. A diferença é que o subsídio vai aparecer no Orçamento, de forma transparente, em vez de sair do bolso do trabalhador e de forma disfarçada.
Valor: Do ponto de vista político, nós deveremos ter então um primeiro semestre de 2019 com anúncio de privatizações, reforma da Previdência duríssima, cortes de gastos. Não está se pensando em nenhuma medida compensatória?

Arida:  Quanto à questão de como se posicionar para a venda das reformas, eu volto ao meu ponto. Há um capital político, uma legitimidade que vem do processo eleitoral, que tem que ser usada. É difícil? Sem a menor dúvida. Não é a agenda populista? Não, sem a menor dúvida. Mas é o caminho. Essa agenda vai dar uma enorme confiança ao setor privado. O investimento privado vai florescer no Brasil, ao contrário do que as pessoas pensam. O Brasil está pronto para ter um enorme florescimento de capital e empreendedorismo privado. O que precisa é destravar a economia. Tem que destravar a economia brasileira e incentivar o investimento estrangeiro no Brasil e o investimento privado no Brasil. O [Mauricio] Macri [presidente da Argentina] é um bom exemplo. Ele tinha uma agenda impopular. Ele desvalorizou o câmbio, aumentou os juros, fez um ajuste fiscal e olha o que ocorreu com a Argentina e com a popularidade dele. Ninguém é irresponsável. Qualquer um sabe que, politicamente falando, há sempre a necessidade de ter a aprovação no Congresso, de vender para a sociedade. Quando eu falei que não dá para privatizar tudo, eu estou dizendo o seguinte - Você tem que ser politicamente responsável. Não adianta anunciar mundos e fundos, porque não se vai a lugar nenhum. Mas há coisas que tem que ser feitas. A reforma da Previdência tem que ser feita. A abertura comercial tem que ser feita.

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